terça-feira, 6 de novembro de 2012

1910 - PRINCESA ISABEL E CONDE D'EU NO EXÍLIO


Em 9 de novembro de 1889, poucos dias antes do golpe militar que instaurou a República no Brasil, a família imperial compareceu ao Baile da Ilha Fiscal, o último da monarquia.

Dançou-se muito no baile da Ilha Fiscal, mas o que os convidados não imaginavam, nem o imperador D. Pedro II, é que se dançava sobre um vulcão. À mesma hora em que se acendiam as luzes do palacete para receber os milhares de convidados engalanados, os republicanos reuniam-se no Clube Militar, presididos pelo tenente-coronel Benjamin Constant, para maquinar a queda do Império.

"Mais do que nunca, preciso sejam-me dados plenos poderes para tirar a classe militar de um estado de coisas incompatível com sua honra e sua dignidade", discursou Constant na ocasião, tendo como alvo justamente o Visconde de Ouro Preto. Longe dali, ao lado da família imperial, o visconde desmanchava-se em sorrisos ao comandar seu suntuoso festim. A família imperial chegou ao cais pouco antes das 10 horas. D. Pedro II, fardado de almirante, a imperatriz Teresa Cristina e o príncipe D. Pedro Augusto embarcaram primeiro. Quinze minutos depois foi a vez da princesa Isabel e do conde D'Eu. Uma vez no palácio, foram conduzidos a um salão em separado, onde já se achavam reunidos membros do corpo diplomático estrangeiro, oficiais e alguns eleitos da sociedade carioca. O guarda-roupa da imperatriz não chegou a causar impressão especial entre os convidados.

Na sequência, pouco mais de um ano depois de testemunhar o júbilo popular com a abolição da escravatura, Dona Isabel veria a monarquia no Brasil ser extinta. Insuflados pelos radicais positivistas, pela maçonaria e apoiados pelos fazendeiros, os militares depuseram o gabinete do Visconde de Ouro Preto e instauraram uma ditadura republicana.

Dona Isabel, com 43 anos de idade, seguiu com sua família para o exílio, na madrugada de 17 de novembro de 1889, depois de ter sido expedida, na véspera, uma intimação pelo Major Frederico Solón, o mesmo que houvera espalhado a calúnia, na Rua do Ouvidor, de que Dom Pedro II decretara a prisão de Deodoro e Benjamin Constant, notícia falsa que precipitou o golpe, com a cavalaria na rua. 

A madrugada do embarque para o exílio era chuvosa e o mar estava revolto com graves riscos para as embarcações. Dom Pedro II sofria uma crise aguda do diabetes e embarcou, com dificuldade, amparado por seu médico particular, Dr. Mota Maia, que com ele seguiu viagem. Foi nesse contexto dramático que a família real rumou para o exílio sem volta, depois de quase meio século de um Governo de paz e prosperidade, reconhecido pelos historiadores. Segundo suas próprias palavras, Isabel deixou a pátria aos soluços, sob as ordens e intimações do tenente-coronel João Nepomuceno Mallet, que mais tarde iria insurgir-se contra o próprio Governo republicano que ele ajudou a instalar. Não faltou quem quisesse reagir, como foi o caso do Almirante Tamandaré, mas Dom Pedro II recusou qualquer reação e pacificamente deixou o território nacional, para entrar na História. E o Brasil inaugurou a República sob forte crise, com fechamento do Congresso, banimentos, censura à imprensa, perseguição de jornalistas e autoritarismo. A inflação disparou e a economia entrou em crise. E assim foi praticamente durante toda a primeira década de República.

D. Pedro II morreu em Paris, em 5 de dezembro de 1891, e ela passou a ser considerada pelos monarquistas imperatriz de jure do Brasil - D. Isabel I.

Apesar da dor do exílio, Dona Isabel teve uma velhice tranquila, instalada no Castelo d'Eu, na Normandia, propriedade de Gastão de Orléans. Rodeada pelos filhos e netos, fez de sua casa uma embaixada informal do Brasil. Recebia brasileiros de passagem, ajudou o jovem Alberto Santos-Dumont quando desenvolvia suas invenções. Passou os últimos anos da vida com dificuldades de locomoção. Em 1920 teve a felicidade de saber que a lei que bania a Família Imperial do Brasil havia sido revogada pelo Presidente Epitácio Pessoa.

Sobre a revogação do Decreto de Banimento propriamente dito, a notícia foi veiculada inicialmente pelo Jornal O Imparcial, do Rio de Janeiro, no dia 4 de setembro de 1920. O decreto 4.120, assinado em 3 de setembro de 1920, procurava corrigir uma distorção jurídica, onde uma família brasileira, que não cometera crime algum, fora expulsa do país de maneira arbitrária.

Além do banimento - por si só um ato autoritário e injustificável - ocorreu um verdadeiro confisco dos bens (particulares) da família imperial. Pouco comentado pela historiografia brasileira é o fato de que praticamente todos os bens e pertences dos Orleans e Bragança foram leiloados.

Exilada, espoliada, com a saúde frágil, extremamente abalada pela morte de dois de seus filhos (Antônio, em 1918, e Luís, em 1920), a princesa Isabel faleceu em 14 de novembro de 1921. Foi sepultada no cemitério local, de onde seria trasladada em 6 de julho de 1953 para um jazigo no Mausoléu Imperial da Catedral de Petrópolis.

Nobreza de alma e simplicidade na vida da Princesa Isabel
A Princesa Isabel, menina ainda, saiu a passeio com D. Pedro II. Todos se curvavam diante da carruagem em que estavam. Em dado momento, a princesinha perguntou:
— Papai, toda essa gente constitui o povo?
— Sim, uma parte do povo – respondeu o Monarca.
— E algum dia esse povo me pertencerá?
— Não, minha filha. Você é que pertencerá ao povo.

A Princesa Isabel e Amanda Paranaguá, futura Baronesa de Loreto, brincavam, quando crianças. Com uma machadinha de brinquedo na mão, a Princesa tentava decepar um pequeno tronco de árvore. Num gesto de afeto, Amanda veio por detrás para abraçá-la, mas Isabel levantou a machadinha, atingindo o olho da amiga. Não foi um ferimento grave, mas gerou uma indelével cicatriz, o que reforçou o elo de amizade por toda a vida. Tinham tanta afeição e dedicação mútuas que a Baronesa decidiu acompanhar a Princesa Isabel no exílio.

No dia 24 de novembro de 1868, a Princesa Isabel e o Conde d’Eu visitaram a cidade mineira de Baependi, hospedando-se no palacete do comendador José Pedro Américo de Matos, que era pessoa muito rica e muito benquista na cidade. No entanto, por ser mulato, procurava não frequentar as festas sociais, para evitar constrangimento a certas damas da sociedade, especialmente nos bailes. Notara mesmo certa resistência, quando se tratava de dançar com algumas delas.

Como anfitrião do casal imperial, era-lhe impossível deixar de comparecer ao grande baile de homenagem, que a cidade ofereceu. Mas enquanto todos se divertiam com a primeira dança, uma quadrilha, o comendador permaneceu alheio, olimpicamente indiferente e distraindo-se em contemplar, ora os dançarinos, ora a multidão que se comprimia na rua.

À Princesa Isabel não passaram despercebidas a situação e a atitude do comendador. Quando a orquestra iniciou a primeira valsa, o Conde d’Eu tomou a Princesa pela mão, levou-a ostensivamente, pelo meio do salão, até em frente do seu anfitrião, e ofereceu-lha como par. A Princesa sorria, fitando-o. E o sorriso era de tal modo um convite irrecusável, que ele logo se refez da surpresa, iniciando com ela aquela primeira valsa. Tal foi a estupefação, que durante alguns instantes o par dançou sozinho.

Esse gesto de nobreza repetiu-se no Palácio São Cristóvão, com o famoso engenheiro negro André Rebouças. O historiador Luís da Câmara Cascudo comenta: “A gratidão do Dr. Rebouças ficou brilhantemente provada a 16 de novembro de 1889, quando voluntariamente se exilou, embarcando junto com a Família Imperial”.

Sayão Lobato, ministro da Justiça em 1871, solicitou a assinatura da Princesa Isabel para uma sentença de morte contra um escravo que matara o senhor. Para movê-la a assinar, estudou um discurso. E desfechou-o na sessão do despacho, contando o episódio de D. Maria I – a louca –, que se vira em igual situação. À mãe do condenado, que lhe implorava a vida do réu, dissera:
— A minha bondade e o meu coração de mulher perdoariam. Mas a minha cabeça de rainha manda condená-lo.
Depois dessa narrativa, o ministro julgou ter vencido a obstinação da Princesa. Mas ela sorriu, e muito simples, muito ligeira, exclamou:
— Mas, Sr. Sayão, minha tataravó era maluca!...
E não assinou.

A atuação da Princesa Isabel na causa abolicionista
Os brasileiros, na sua quase totalidade, imaginam que a Princesa Isabel apenas assinou a Lei Áurea, e que ela teria apenas consentido em assiná-la. Esse é o mérito único que lhe atribuem. Entretanto, não foi só isso o que ela fez. Podemos afirmar hoje que, se não fosse o seu empenho em levar avante essa questão, não teríamos chegado, da maneira pacífica como chegamos, ao termo de tão formosa campanha. Por colocar a paz doméstica, a satisfação íntima do lar à altura das mais legítimas aspirações humanas, foi que incentivou os defensores da Lei do Ventre Livre, seguindo as pegadas do Visconde do Rio Branco. Preparou o ambiente para a Lei dos Sexagenários, e terminou apressando a vitória da libertação total dos cativos, embora sabendo que daria em troca de sua maravilhosa atitude o trono que lhe pertencia.

Discutia-se nas Câmaras a Lei do Ventre Livre, com discursos empenhados do Visconde do Rio Branco (pai do barão) e de outros abolicionistas. Cinco meses duraram as discussões, com momentos de desânimo e de entusiasmo. A Princesa Isabel se empenhava com os ministros, para que apoiassem a aprovação da lei. O próprio Rio Branco, sempre que conferenciava com a Princesa, parecia voltar a plenário mais disposto, mais animado, mais fortalecido para continuar a batalha. Numa dessas vezes, quando ele se achava especialmente receoso, a Redentora fez o que pôde para animá-lo. Logo após a entrevista, encaminhou-se para o seu oratório, ajoelhou-se e implorou insistentemente a proteção divina para os que trabalhavam pela aprovação da lei.

Após a votação da Lei do Ventre Livre, em 28 de setembro de 1871, o povo em massa esperou o Visconde do Rio Branco. Quando ele apareceu à porta do Senado, recebeu a manifestação mais ruidosa e comovente que já se fez a um homem público no Brasil. A Princesa Isabel foi-lhe ao encontro, com a fisionomia radiante, e cumprimentou-o com efusão:
— Bravos, Visconde! A sua vitória foi o mais belo exemplo em que os nossos homens de Estado se devem mirar.
— Perdão, Princesa! Se venci, é porque tinha apoio em Vossa Alteza e nos meus luminosos pares legislativos. Logo, o mérito é menos meu que da ilustre e humanitária Regente e dos insignes representantes do País.
— Que diz, agora, da situação dos nossos irmãos cativos?
— O cativeiro, praticamente, não mais existe no Brasil. A religiosidade da combativa Regente já o aboliu convenientemente.

A Princesa Isabel insistia com o Barão de Cotegipe para que o Ministério assumisse uma posição mais decidida na questão da abolição, sem o que sua força moral cada vez mais se perdia. Cotegipe aconselhou-a a manter-se neutra “como a Rainha Vitória”, numa disputa que dividia tão profundamente os partidos. Ela retorquiu:
— Mas eu tenho o direito de manifestar-me, e a Rainha Vitória é justamente acusada por sua neutralidade, prejudicial aos interesses da Inglaterra.

Em março de 1888, a propósito da prisão de um oficial do Exército pela polícia, a Princesa Isabel tomou uma posição francamente contrária à do presidente do Conselho, que em conseqüência propôs a demissão do Gabinete, logo aceita pela Regente. Ao se demitir, Cotegipe perguntou:
— A quem Vossa Alteza quer que eu chame para organizar o novo Gabinete?
— O Sr. João Alfredo – respondeu sem hesitação.
Mais tarde ela revelou:
— Conhecendo as idéias do Sr. João Alfredo, estava convencida de que o que ele fizesse seria bom. Ele assumiu a presidência do Gabinete com a promessa de tentar qualquer coisa pela sorte dos escravos.52
De fato, dois meses depois apresentou um projeto de abolição total, que afinal resultou na Lei Áurea.

Entusiasmada pela veneração com que a saudavam os abolicionistas jubilosos, após a assinatura da Lei Áurea, a Princesa Isabel se encontrou com o Barão de Cotegipe, que fora o chefe do gabinete de 1886-1888, e que, nessas funções, lhe observara os riscos que corria a sorte do Império com a providência radical que os abolicionistas pleiteavam:
— Então, Sr. Cotegipe! A abolição se fez com flores e festas. Ganhei ou não a partida?
O Barão, cujas previsões políticas o haviam apeado do poder, mas que continuara a opor-se de corpo e alma à extinção do cativeiro, pelo colapso econômico que disso sobreviria, fitou-a e respondeu:
— É verdade. Vossa Alteza ganhou a partida, mas perdeu o trono.
Pouco tempo depois foi proclamada a República.
A Princesa Isabel, ferida pelo destronamento, ao passar pela sala do Paço onde assinara a Lei Áurea, bateu com energia na mesa em que a subscrevera, e disse:
— Se tudo o que está acontecendo provém do decreto que assinei, não me arrependo um só momento. Ainda hoje o assinaria!

No exílio, a Princesa Isabel manteve inalteráveis seu amor e sua dedicação ao Brasil.

Depois de proclamada a República, os revoltosos queriam a todo custo ver-se livres da Família Imperial, para que o golpe pudesse caminhar sem tropeços. O Governo Provisório decidiu então oferecer a vultosa quantia de 5.000 contos de réis, para suas despesas na Europa. O Coronel Mallet compareceu à presença do Conde d’Eu e da Princesa Isabel, transmitindo-lhes a notícia:
— Agora, ao subir, fui informado de que a esta hora está sendo lavrado o decreto que concede a Sua Majestade o Imperador 5.000 contos de réis para as suas despesas.
— Nós não fazemos questão de dinheiro – disse a Princesa. O que me custa é deixar a Pátria, onde fui criada e tenho as minhas afeições. É isto o que mais lamento perder. Não o trono, nem ambições, que não tenho.

Em 13 de julho de 1901, quando Santos Dumont contornou a torre Eiffel com o seu balão, a Princesa Isabel o convidou a ir à sua casa, para narrar-lhe a aventura. O próprio Santos Dumont conta o episódio:
“Quando acabei a minha história, a Princesa me disse: — Suas evoluções aéreas fazem-me recordar o voo dos nossos grandes pássaros do Brasil. Oxalá possa o senhor tirar do seu aparelho o partido que aqueles tiram das próprias asas, e triunfar, para glória da nossa querida Pátria!”.
Alguns dias depois, a Princesa mandava-lhe esta carta: “Envio-lhe uma medalha de São Bento, que protege contra acidentes. Aceite e use-a na corrente do seu relógio, na sua carteira ou no pescoço. Ofereço-lha pensando na sua boa mãe, e pedindo a Deus que o socorra sempre e o ajude a trabalhar para a glória da nossa Pátria”.

Ao saber que o Dr. Ricardo Gumbleton Daunt não queria aceitar a cadeira de deputado que lhe coubera numa das eleições, por ser visceralmente monarquista e não querer, portanto, ocupar posto algum de saliência no Brasil sob outra forma de governo, a Princesa Isabel escreveu à irmã do eleito: “Diga ao seu irmão que ele deve aceitar a cadeira de deputado e propugnar pela grandeza moral, econômica e intelectual de nossa Pátria. Não aceitando, ele estará procedendo de maneira contrária aos interesses da coletividade. De homens como ele é que o Brasil precisa para ascender mais, para fortalecer-se mais. Faça-lhe, pois, sentir que reprovo sua recusa”.

A sensibilidade e o patriotismo da Princesa Isabel se revelam num documento íntimo, onde escreveu: “A ideia de deixar os amigos, o País, tanta coisa que amo e que me lembra mil felicidades que gozei, faz-me romper em soluços. Nem por um momento, porém, desejei uma menor felicidade para minha Pátria. Mas o golpe foi duro”.

Nenhum comentário:

Postar um comentário